Eu e ela - por Camila Granato
Somos parte uma da outra. Eu sem ela não sou ninguém e vice-versa. Somos tão parecidas e completamente diferentes ao mesmo tempo. Eu adoro agitação, ela adora conhecer lugares novos. Eu choro, esperneio, soluço, me entupo de café, já ela chora pra dentro, ou sozinha e se entope de biscoito. As duas detestam planejar, são tão críticas, tão teimosas, tão lindas, tão independentes, tão cúmplices. Eu durmo muito, ela tem insônia. Uma chora pela outra, uma torce pela outra, uma troca de lugar com a outra, liga várias vezes se uma demora demais. A gente se comunica só pelo olhar. Eu falo, alto, muito, não sou boa com os meus segredos, prefiro guardar os dos meus amigos. Ela guarda os dela e os dos outros.
Ela já se decepcionou demais com as pessoas e tem um pouco de receio de que a magoem de novo. Eu tento mostrar para ela que não é isso que vale. Eu já guardei muito rancor dos outros, mas ela me fez ver que isso também não vale a pena. As duas adoram comer, riem quando bebem vinho, têm olhos verdes, já passaram por cada uma, viram a outra se machucar sem poder fazer nada. As duas se cuidam, se policiam, puxam orelha. Eu sou fã dela, queria ser um pouco dela quando tiver sua idade. Ela acha tudo que eu faço lindo, mesmo que no fundo me ache meio irresponsável de vez em quando e releva porque é coisa da idade.
Mas ela não briga, ela se diverte. Eu gosto quando ela se diverte e sinto muita falta quando ela não está por perto. As duas colocam bilhetes na geladeira no dia do aniversário e têm fotos da outra na carteira. Amamos cartão de crédito, não temos paciência para liquidação, compramos por impulso. Ela sempre muito controlada com as finanças, já eu estou em processo de aprendizagem. Somos muito desconfiadas, pé atrás, não fazemos questão das coisas e às vezes nem das pessoas. Ela adora uma reforma, eu adoro uma bagunça. Adoro um barzinho e às vezes arrasto ela pra lá.
Todo dia aprendo uma coisa nova com ela, que às vezes ri do meu jeito de encarar a vida. A gente se diverte. A gente sabe quando a outra está triste e fica triste também. A gente briga uma pela outra e não admite que alguém brigue com a outra. Só a gente pode. Ela sempre me dá colo. Ela nunca me pediu colo, mas sabe que se precisar é só me olhar. Sempre vai ao meu quarto para ter certeza se eu estou dormindo com os anjos. Eu vou ao quarto dela de noite pra ouvir se ela está respirando e agradeço aos anjos por ela estar ali.
Adoro tevê, ela cinema. Adoro Green Day, ela Ney Matogrosso. Nossa “Petit Peta” é o maior tesouro do mundo. Adoramos carinho, não gostamos que nos encostem sem permissão. A gente se ama tanto, que chega a doer. Sou melhor para falar de sentimentos escrevendo, ela me olhando. Não gostamos de pensar que um dia a gente pode se separar, só torcemos para que não aconteça nunca.
E somos tão ciumentas, tão possessivas, tão preocupadas, tão unidas, tão ligadas, tão parecidas e tão diferentes, enfim, ela é tão mãe e eu tão filha.
cgranato@gmail.com
Essa crônica foi escrita pela Camila para a mãe dela. Isso foi escrito em 2006. Tia Marisa fatalmente veio a falecer no dia 03 deste mês.
saudades eternas tchu
Somos parte uma da outra. Eu sem ela não sou ninguém e vice-versa. Somos tão parecidas e completamente diferentes ao mesmo tempo. Eu adoro agitação, ela adora conhecer lugares novos. Eu choro, esperneio, soluço, me entupo de café, já ela chora pra dentro, ou sozinha e se entope de biscoito. As duas detestam planejar, são tão críticas, tão teimosas, tão lindas, tão independentes, tão cúmplices. Eu durmo muito, ela tem insônia. Uma chora pela outra, uma torce pela outra, uma troca de lugar com a outra, liga várias vezes se uma demora demais. A gente se comunica só pelo olhar. Eu falo, alto, muito, não sou boa com os meus segredos, prefiro guardar os dos meus amigos. Ela guarda os dela e os dos outros.
Ela já se decepcionou demais com as pessoas e tem um pouco de receio de que a magoem de novo. Eu tento mostrar para ela que não é isso que vale. Eu já guardei muito rancor dos outros, mas ela me fez ver que isso também não vale a pena. As duas adoram comer, riem quando bebem vinho, têm olhos verdes, já passaram por cada uma, viram a outra se machucar sem poder fazer nada. As duas se cuidam, se policiam, puxam orelha. Eu sou fã dela, queria ser um pouco dela quando tiver sua idade. Ela acha tudo que eu faço lindo, mesmo que no fundo me ache meio irresponsável de vez em quando e releva porque é coisa da idade.
Mas ela não briga, ela se diverte. Eu gosto quando ela se diverte e sinto muita falta quando ela não está por perto. As duas colocam bilhetes na geladeira no dia do aniversário e têm fotos da outra na carteira. Amamos cartão de crédito, não temos paciência para liquidação, compramos por impulso. Ela sempre muito controlada com as finanças, já eu estou em processo de aprendizagem. Somos muito desconfiadas, pé atrás, não fazemos questão das coisas e às vezes nem das pessoas. Ela adora uma reforma, eu adoro uma bagunça. Adoro um barzinho e às vezes arrasto ela pra lá.
Todo dia aprendo uma coisa nova com ela, que às vezes ri do meu jeito de encarar a vida. A gente se diverte. A gente sabe quando a outra está triste e fica triste também. A gente briga uma pela outra e não admite que alguém brigue com a outra. Só a gente pode. Ela sempre me dá colo. Ela nunca me pediu colo, mas sabe que se precisar é só me olhar. Sempre vai ao meu quarto para ter certeza se eu estou dormindo com os anjos. Eu vou ao quarto dela de noite pra ouvir se ela está respirando e agradeço aos anjos por ela estar ali.
Adoro tevê, ela cinema. Adoro Green Day, ela Ney Matogrosso. Nossa “Petit Peta” é o maior tesouro do mundo. Adoramos carinho, não gostamos que nos encostem sem permissão. A gente se ama tanto, que chega a doer. Sou melhor para falar de sentimentos escrevendo, ela me olhando. Não gostamos de pensar que um dia a gente pode se separar, só torcemos para que não aconteça nunca.
E somos tão ciumentas, tão possessivas, tão preocupadas, tão unidas, tão ligadas, tão parecidas e tão diferentes, enfim, ela é tão mãe e eu tão filha.
cgranato@gmail.com
Essa crônica foi escrita pela Camila para a mãe dela. Isso foi escrito em 2006. Tia Marisa fatalmente veio a falecer no dia 03 deste mês.
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