A necessidade cria o amor ou ele existe? A questão é delicada e conduz a uma resposta que confunde mais do que explica. Sim, a necessidade cria o amor. Sim, o amor existe.
Na verdade, fomos condicionados pela sociedade e seus contos de fada a acreditar que o amor é uma coisa que acontece quando menos se espera, que domina nosso coração, que interrompe nossos neurônios e nos captura para uma vida de palpitações, suspiros e lágrimas. Que o amor não tem idade, não tem hora pra chegar, não tem escapatória. Que o amor é lindo, poderoso e absoluto, que vence todos os preconceitos, que vence a nossa resistência e ceticismo, que é transformador e vital. Esse amor existe e ai de quem se atrever a questioná-lo.
Rendo-me, senhores. Esse amor existe mesmo, é invasivo e muitas vezes perverso, mas também pode ser discreto, sereno e indolor. Costuma acontecer ao menos uma vez na vida de todo ser humano, ou três vezes, aos 17, 35 e 58 anos, ou pode acontecer todo final de semana, se for o caso de um coração insaciável. Mas também pode acontecer nunquinha, e aí a outra verdade impera.
Sim, a necessidade também cria o amor. A pessoa nasce idealizando um parceiro para dividir a janta e as agruras, a cama e as contas, os pensamentos e os filhos. Passam-se os anos e esse amor não sinaliza, não apresenta-se, e o relógio segue marcando as horas, lembrando que o tempo voa. Esse ser solitário começa a amar menos a si mesmo, pelo pouco alvoroço que provoca a sua volta, e a baixa estima impede a passagem de quem quer se aproximar. É um círculo vicioso que não chega a ser raro. Qual é a solução: solidão ou imaginação?
O nosso amor a gente inventa, cantou Cazuza, no auge da sabedoria. A necessidade faz quem é feio parecer um deus, quem é tímido parecer um sábio, quem é louco parecer um gênio. A necessidade nos torna menos críticos, mais tolerantes, menos exigentes, mais criativos. A necessidade nos torna condescendentes, bem-humorados, otimistas. Se a sorte não acenou com um amor caído dos céus, ao menos temos afeto de sobra e bom poder de adaptação: elegemos como grande amor um amor de tamanho médio. O coração também sobrevive com paixões inventadas, e não raro essas paixões surpreendem o inventor.
O amor pode ser casual ou intencional. Se nos faz feliz, é amor igual.”
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